segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Rosetta (1999, Jean-Pierre e Luc Dardenne, Bélgica)


A câmera persegue Rosetta. O Chefe persegue Rosetta. Os guardas perseguem Rosetta. Ela luta e resiste, mas ela nada pode contra esse pequeno representante do sistema, pois ela é ainda mais insignificante. Rosetta parece ser uma história que não quer ser contada. Sempre foge e fecha as portas de quem tenta se aproximar, até mesmo a câmera. Essa é apenas um narrador mudo que busca mostrar sem dizer, sem decupar, sem simbolizar. Assim o filme segue o ritmo que sua personagem lhe impõe. Uma ansiedade e uma tensão terríveis, quase sem fôlego, que a montagem ajuda a reiterar, mas que vemos principalmente no ato de filmar como reações (ou perseguições?) às ações de Rosetta.

Morando em um acampamento de trailers com a mãe, Rosetta está afastada do convívio social. O trabalho é seu único modo de interagir socialmente e construir relações. Sua relação com a mãe é completamente invertida, sendo ela a cuidadora e a responsável. Essa confusão de papéis se mostra também como uma confusão de identidade, por exemplo, quando ela fala pra si mesma na cama “Seu nome é Rosetta. Meu nome é Rosetta. Você encontrou um trabalho. Eu encontrei um trabalho. Você tem um amigo. Eu tenho um amigo. Você tem uma vida normal. Eu tenho uma vida normal. Você não cairá na rotina. Eu não cairei na rotina”. Essa fala mostra essa relação confusa que ela tem consigo mesmo, também essa solidão e acima de tudo suas mais íntimas preocupações.

Rosetta além de ser perseguida também persegue, e não só um emprego e a própria mãe, mas aos poucos vemos que ela também busca a si mesmo, um amigo, uma vida normal e não cair na rotina (como ela mesma aponta). Presa na lama sozinha, ela descobre que não tem ninguém para ajudá-la, mas ela pode ajudar. Ela salva Riquet em situação similar a que esteve e não foi ajudada pela mãe e é esse o ponto de virada. Dessa mudança ela descobre sua força, a possibilidade de não ficar a mercê da situação e fazer diferente daquilo que parece estar “imposto” a ela. Dentro dessa mudança vemos as ações seguintes, a denuncia de Riquet e a posse de seu cargo, possibilitando uma construção de sua identidade.

Quando a mãe retorna a filha parece não ser mais a mesma. Ela põe um ovo para cozinhar e enquanto ele cozinha, ela sai, liga pro chefe e pede demissão. O ovo está cozido e ela o come. Rosetta parece finalmente ceder e “engolir” a simbologia de ser filha. Só a partir daí ela consegue se sentir vulnerável e desprotegida, para então ser ajudada por Riquet.

Como ultima observação, queria apenas enfatizar a excelente atuação Emilie Dequenne, que fez viver Rosetta. Outra atriz teria interpretado bem o papel, mas Dequenne de fato o viveu. Os irmãos Dardenne enxugaram a linguagem cinematográfica, subtraindo seus elementos, para dar mais força a história que queriam mostrar e assim enriqueceram o cinema.

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