quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Meu Nome é Dindi (Safadi, 2007, Brasil)


Marcado por um jogo entre o tempo real e o subjetivo, sempre em relação à personagem principal, Dindi, o desenvolvimento dramático se dá sempre em função do tempo. Junto a esse jogo de tempos, os espaços também são alterados e têm sua função subjetiva, como por exemplo quando aparece um olho desenhado na parede da casa da personagem após o açougueiro dizer que está “de olho” nela. Essa relação entre espaço e tempo com Dindi é o que estrutura e justifica a narrativa. Isso se dá a partir de longos planos sequência, que a princípio foram usados pelo neo-realismo para repensar e reconstruir o tempo no cinema e ajudaram a marcar a ambiguidade e a presença de elementos não narrativos (o que Bazin chamou de não-cinema, pois se abstinha de uma lógica do cinema até então) para mostrar uma visão de realidade. Nesse ponto é interessante pensar que é justamente com essa linguagem geralmente realista que Safadi se mostra diferente, colocando atores conhecidos, usando insistentemente elementos narrativos (como a gag do “pode ficar com o troco” no início) e fazendo “tipificações” dos personagens, sendo basicamente Dindi a única personagem a apresentar algum nível de complexidade. O que aparentemente se propõe como oposição à visão neo-realista italiana parece, pelo contrário, marcar um outro tipo de realismo, que é aquele da subjetividade do personagem.

Dindi é o arquetipo da mulher solitária e indefesa - pelo menos na visão de Marcão, que tem como objetivo de vida alegrá-la e defendê-la. Ela está presa à figura materna que está ligada ao passado (o qual parece sempre melhor do que o presente e o futuro), representado pela quitanda da avó e da mãe. É preciso então que haja um corte masculino no presente, que não veio na infância na figura do pai, mas vem no presente na forma do açougueiro que irá separá-la desse vínculo maternal, tirando também sua pureza infantil de contos de fadas. Nessa proposta inicial já percebemos esses elementos e o filme parece estar com sua rota traçada, mas é com o elemento surpresa que o filme parece trabalhar a sua maior força. A surpresa não vem da narrativa explícita que um primeiro nível de análise traz, mas vem do subtexto, dos elementos narrativos que só um nível de análise mais profundo traz, pois de fato é bem previsível e nada original essa narrativa da vinda do pai desconhecido e da morte do mesmo, causada pelo seu “substituto”. Porém, quando adentramos a subjetividade que o filme nos propõe, percebemos o quão surpreendente e inesperada é essa história, pois de fato os acontecimentos narrativos tradicionais não são relevantes nem sequer para a personagem. O corte, então, não vem do açougueiro e nem sequer de Marcão (que propõe se casar e fugir para o nordeste com ela), mas vem do próprio pai, que porém está morto. Quando o pai aparece, mesmo já morto, há uma ressignificação desse passado tão idealizado por ela, que seu próprio nome lhe induz. Um passado com muito vínculo afetivo, que invade o presente como na cena da praia. Entretanto, para caminhar para o futuro, o palhaço (o que em certo momento do filme o açougueiro diz que não é) aparece como elemento surpresa e faz esse corte. Assim, apenas através da morte ela consegue ressignificar a vida e amadurecer. A cena final mostra - na repetição da mesma cena do inicio - essa imensa diferença da Dindi, que agora é outra pessoa por mais que continue no mesmo lugar.

Para concluir, Meu nome é Dindi é um filme que funciona apesar do roteiro, pois esse nada no raso, como Dindi e Marcão na praia. Sua potência se vê na visão de diretor (e não de roteirista) de Safadi, que propõe com coragem uma linguagem elaborada que por vezes se arrisca para além da sua própria capacidade, o que no caso desse filme deu certo, mas em seu outro longa “O uivo da gaita” (2013) se perde um pouco. Elementos forçados e tipificados no roteiro são usados em prol de um discurso mais elaborado a partir da linguagem cinematográfica, que deram certo também com “Uma estrela para Ioiô”, que apesar de mudo e com uma proposta menos pretensiosa talvez tenha conseguido falar mais.

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