quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A Cidade é Uma Só (Adirley Queirós, 2012, Brasil)




Para além de um retrato documental ou ficcional (que lembra os filmes de Franco Taviani) o filme é bem resolvido sobre seu lugar à margem, ou melhor, “no entorno”. E sua justificativa se dá de forma clara e contundente na fala de Dildu, ressignificar o X (ou os X’s), que marcaram de certo modo a exclusão daqueles moradores de Brasília para a periferia. A partir da montagem temos uma enxurrada de efeitos Kuleshoves (por exemplo, com os jingles de Dildu e “a cidade é uma só”), transições poéticas, montagem paralela (que se conectam e se separam de forma dinâmica em função da narrativa) e montagens intelectuais, fazendo esse trabalho constante de ressignificação e caracterizando a forte influência da escola russa. Porém, o que nos filmes de Eisenstein vêm em forma de uma ideologia pesada, aqui vem de forma mais leve, bem brasileira. Filme que não esconde sua politização e sua luta por uma conscientização política, mas nem por isso é pouco generoso com o espectador, forçando qualquer ideologia goela abaixo, pelo contrário, Queirós nos explicita seu lugar justamente para podemos refletir por conta própria. O filme é um ato político que age como seu personagem Dildu, de forma precária e humilde, mas acreditando na sua força. 

O processo do filme, através da sua opacidade, tem uma característica singular em que se percebe o olhar da câmera como mediador do olhar do morador da Ceilandia para a própria realidade e história. A confusão entre realidade e ficção pode ser vista como uma metáfora da própria confusão que é o discurso do Estado (que escondem interesses políticos de uma elite). Através de três pilares temáticos sobre a construção da memória, a especulação imobiliária e a conscientização política (representado respectivamente pelos personagens Nancy, Dildu e Zé Antônio) tem se um retrato contemporaníssimo dessa realidade, que transborda para diversas outras no Brasil. A relação das cidades-satélites com Brasília, ou a sua negação, mostra que a cidade não é uma só. Dildu e seu cunhado não sabem andar em Brasília e se perdem em meio a uma lógica que não é a deles. Porém há possibilidade, através de uma luta por uma conscientização política (mas também da luta por moradia e de uma memória) que ela possa aos poucos se tornar uma só. Essa luta não é só externa (com Dildu tentando ser político, por exemplo), ela também se dá de forma subjetiva, por exemplo, quando Dildu pergunta para o cunhado se joga o papel no carro ou na rua mesmo e acaba por jogar na rua. 

“Os barracos verticalizados sobem sobre concretos de especulação imobiliária: o entorno nos espera”. Com essa frase (a última de todo o filme), além de um tom irônico que também caracteriza-o, mostra um lugar à margem da qual existe uma construção de identidade. Mesmo nesse último momento do filme voltamos a ressignificar todo o filme o que reafirma sua função e mostra a elaboração desse a partir do lettering. 

Em suma, um filme que se coloca no cinema brasileiro contemporâneo diametralmente oposto à “Cidade de Deus”, por exemplo, mesmo retratando realidades à margem. Isso, pois em “A cidade é uma só?” a busca por mudança diz respeito ao todo daquela situação e de uma forma politizada, se reconhecendo como pertencente àquele grupo, e não uma mudança individual como acaba sendo a de Busca Pé. Avesso também no sentido de que não há uma mega produção que vem de fora daquela realidade e que se utiliza dela em pró de uma experiência estética, sensitiva e comercial. Com “A cidade é uma só(?)” as questões que se colocam em “Cidade de Deus” se resolvem ponto a ponto e isso se deve há uma relação extremamente intima da figura do diretor e das escolhas de linguagem com a realidade retratada. 

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